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Cinema Digital no Brasil: A Arte da Guerrilha

* artigo originalmente publicado na ZOOM MAGAZINE edição 118

Até alguns poucos anos atrás, defender a plataforma do Cinema Digital exigia bastante coragem (especialmente no Brasil, já que em outros países e particularmente nos EUA tal plataforma já vem sendo amplamente aceita e propagada desde o final dos anos 90).  Iniciativas como a da ZOOM MAGAZINE (que por natureza sempre promoveu a plataforma de video digital no país) ou da ESCOLA DE CINEMA (que desde 2004 levanta com orgulho a bandeira do Cinema Digital) já são hoje compartilhadas por grande parte do mercado e indústria, mas é sempre bom lembrar que eram posturas pioneiras até 2, 3 anos atrás.

Em 2002, quando ainda era um estudante de cinema em Los Angeles, fui convidado a participar como técnico na equipe do Longa Metragem “The Chocolate Curse”  (“A Maldição do Chocolate”), um filme infanto-juvenil que infelizmente nunca chegou ao Brasil. Esse projeto foi inteiramente gravado com a câmera digital SONY F900, já conhecida do grande público através de nomes de peso como George Lucas (que a utilizou na segunda geração de sua trilogia).  Foi a primeira vez que tive a oportunidade de trabalhar profissionalmente com cinema digital, e foi amor à primeira vista.  Fiquei encantado pelas possibilidades que o digital proporcionava e principalmente pelo fato de que, finalmente, após mais de um século de existência, a arte e o ofício do cinema estariam ao alcance de todos. Era a tão sonhada “democratização”do cinema! Não seria mais necessário dispor de milhões e milhões de dólares para realizar a nossa arte.  Esse fato isolado já poderia ser o suficiente para que o mercado abraçasse a plataforma digital, porém muitos ainda bateram o pé por bastante tempo defendendo a realização cinematográfica tradicional, ou seja, através da película de celulóide. Hoje em dia esse debate já está indo por terra.  Os incríveis avanços tecnológicos já provaram que matematicamente, mecanicamente e cientificamente o digital pode igualar e brevemente superar a película em todos os aspectos, mantendo ainda a drástica redução de custos e mão de obra. Todos sabemos que é apenas uma questão de tempo. E pouco tempo. Cineastas consagrados em todos os gêneros, desde os mais comerciais que dispensam apresentações como Steven Spielberg, George Lucas e Michael Mann até os mais alternativos como Lars Von Trier (“Dancando no Escuro”, “Dogville”), Michael Haneke (“Caché”, “A Professora de Piano”) e Soderbergh (“Che”, “Traffic”), já são fervorosos adeptos do cinema digital.

Fabricantes de peso como Sony, Arri, Red e outros disputam acirradamente a soberania pelas melhores câmeras digitais. Alguns dos principais modelos como a Red One, a linha Cinealta da Sony representada pelas F23 ou F35 bem como modelos mais raros como a Arri D-21 ou a SI-2K já foram assunto de matérias e reviews aqui na ZOOM MAGAZINE, e o leitor já pôde comprovar o poder de fogo desses equipamentos em filmes como “O Curioso Caso de Benjamin Button” e “Inimigos Públicos” (ambos gravados na plataforma Cinealta), “Quem Quer Ser um Milionário” (que contém material registrado na SI-2K), “Presságio” e “Che” (realizados na Red One) e por aí vai! Essa lista poderia se alongar bastante mas não é esse o propósito dessa matéria. Hoje em dia, afirmar que cinema “de verdade” é somente aquele registrado em película é o mesmo que afirmar que boa música é somente aquela registrada em vinil! A música está na cabeça do compositor tanto quanto o cinema está na cabeça do cineasta!  Se a arte for boa, não importa a mídia, suporte ou plataforma escolhida. A arte não pode nem deve estar condicionada e/ou limitada a seu suporte midiático. Como já afirmou nosso querido Fernando Meirelles, se for um bom filme com uma boa história, depois de cinco minutos a audiência já não sabe mais se é video ou película! Felizmente, os avanços tecnológicos tornaram a discussão de plataformas película X digital obsoleta e jogaram a responsabilidade de volta nas mãos do cineasta. Agora, o visual e a estética de um filme não dependem mais da plataforma ou suporte, mas sim  da capacidade e visão do artista por trás das câmeras.

No entanto, uma questão crucial ainda nos chama muito a atenção: apesar do advento do cinema digital, da extrema redução de custos, do aumento da praticidade e do avanço tecnológico, a indústria brasileira de cinema independente (e é importante frisar que estou me referindo somente à produção de filmes de longa metragem) continua absurdamente pequena quando comparada a outros países.  Também vale salientar que o conceito de “cinema independente” também possui aplicação contextualizada. Da forma como se utiliza essa nomenclatura nos EUA, cinema independente seria todo aquele realizado sem vínculo com as “MAJORS” (Fox, Warner, Paramount, Columbia, Universal etc…). Se fôssemos seguir a mesma premissa, praticamente todo filme brasileiro seria “independente”, o que não é verdade, afinal de contas, a quase totalidade dos longas brasileiros só é possível através das leis de incentivo, ou seja, utilizando verba pública após cumprir uma série de exigências estabelecidas pelo estado num processo de triagem e seleção.  Portanto, um filme que DEPENDE de verba e aprovação do estado e DEPENDE de satisfazer uma série de critérios estabelecidos pelo estado não poderia, pela lógica, ser chamado de independente, correto?

Dessa forma, ao contabilizar as produções de LONGA METRAGEM realizadas no Brasil sem vínculo com o Estado, os números são assustadoramente baixos.  Essa é uma realidade que nos espanta e precisa ser mudada se desejamos que nosso Mercado se desenvolva.  A indústria do cinema independente norte-americana e européia é incrivelmente ativa e consegue movimentar uma fatia considerável do mercado. Para que se tenha uma idéia, chega-se até mesmo a promover festivais de gênero para o cinema independente!  Conversando recentemente com o querido amigo e jornalista Roberto Sadovski, fomos informados de festivais exclusivos para filmes de Zumbis! Pode? Tamanho é o volume de produções nas terras do Tio Sam.

câmeras digitais mostram seu poder de fogo em produções como Quem Quer Ser Um Milionário

Já é momento dos cineastas brasileiros perderem o receio de produzir longas e provocarem um verdadeiro agito e expansão na indústria. Quanto maior o volume de produção, maior será o crescimento  e desenvolvimento industrial no nosso setor. Quanto maior e mais desenvolvida for a nossa indústria, melhor para todos nós que trabalhamos com cinema/vídeo digital e amamos nossa arte.  Hoje em dia já temos acesso aos mesmos equipamentos e técnicas disponíveis nos melhores estúdios do  planeta. Os custos despencaram. Gente querendo fazer cinema é o que não falta. Onde estão os filmes? Agora é o momento de “colocar a mão na massa” e fazer cinema!

É justamente com esse propósito que surge esse espaço na ZOOM MAGAZINE, um espaço dedicado a fornecer e discutir ferramentas e dicas para a produção independente de longas! Desde o roteiro, planejamento, cronogramas e orçamentos até dicas de organização e otimização no set de gravação, divisão de equipes e funções, seleção de equipamentos adequados, finalização e distribuição. Não importa qual o seu orçamento, sempre há uma solução disponível que pode se adequar às suas necessidades e limitações preservando o máximo de qualidade (Robert Rodriguez que o diga!).

Nosso ensejo e missão é incentivar os novos cineastas a produzirem cada vez mais, e para tanto, abordaremos técnicas de produção desde as mais simples até as mais sofisticadas passando por diversas plataformas e possibilidades orçamentárias.  E nosso intuito não é discutir apenas questões técnicas, mas sim todos os tópicos e assuntos pertinentes à realização de um filme e que possam ser carentes de informação. Como exemplo, é possível citar “Atuação para Cinema” e “Direção de Atores”, temas tão pouco debatidos que representam uma grande lacuna e talvez uma das maiores deficiências no cinema brasileiro.   Esperamos, com isso contribuir,  mesmo que de modo singelo, com a comunidade crescente de cineastas e produtoras indepententes de nosso país – além de propiciar uma leitura prazeirosa, é claro! E para tanto, não poderia haver veículo melhor do que a ZOOM Magazine! Até a próxima edição.

* Tiaraju Aronovich é cineasta e músico formado no California Institute of the Arts, em Los Angeles. Possui dois longas realizados nos EUA e seu primeiro longa brasileiro, SEM FIO, deve estrear ainda em 2009. Integra o corpo docente da Escola de Cinema e do Actor Studio SP Brasil.


1 Resposta to “Cinema Digital no Brasil: A Arte da Guerrilha”


  1. 1 Hélder Santana
    novembro 6, 2010 às 3:18 pm

    Excelente texto, Tiara.
    Um mês de estudos com você e seu equipe da Escola de Cinema me valera por anos.

    Abraços,

    Hélder Santana


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